06 setembro 2010

O Fator Deus...11/09...a fala do Saramago sobre nosso Espetáculo Atentado...


...pois então se tiverem paciência, e até quem sabe vontade de pensar sobre algumas coisas...dá uma lidinha (sem compromisso) neste texto do nosso amigo Saramago...e (sem compromisso também)venha no dia 11/09 assistir nosso espetáculo atentado..."FAÇA HUMOR NÃO FAÇA A GUERRA" só 10,00 zinho pra ajudar nas esfihas e nos quibes dos iraquianos, afegãos e palestinos pobres...

o fator Deus
JOSÉ SARAMAGO
Folha Online - 19/09/2001 - 03h41

Algures na índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada
uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a
espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas
até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo
de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes.
Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um
negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se
para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta
vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os
soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados
israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão
direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de
Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas
relacionados com o integralismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade
Center e deitam-nas abaixo.
Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do
Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros,
reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.
As fotografias da índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as
vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da
morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem
novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de
ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de
jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror,
agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos
saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas
saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua.
Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de
parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço,
uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e
monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele
Ruanda de um milhão de mortos, daquele Vietnã cozido a napalm e, daquelas execuções
em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles
soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas
atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios
nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se
tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres
humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar.
Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é
aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em
nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para
aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de
sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais
que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao
menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas
as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de
qualquer religião não só fingem ignorá-Io, como se levantam iracundos e intolerantes
contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o
nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para
uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com
infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um
sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria
permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome
de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o
mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os
talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos
sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso
conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o
mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher
outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.
E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não
existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele
seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que
são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando,
estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus
tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de
terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro
humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o ''fator
Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela.
Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos
cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção
divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as
torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança
contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus
responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles,
pobres deuses sem culpa, foi o ''fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os
seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que
tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que
não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da
besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.
Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a
repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao
ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento
de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com
ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator
Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e
corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.

Um comentário:

Leo Eloy disse...

se deus existe, o que eu duvido, ele é sádico e inescrupuloso. Confirmado a sua inexistência, esses adjetivos passam para quem em seu nome tanto falam e fazem.

"O Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro”
saramago, Evangelho segundo jesus cristo

Cuidado que ainda está quente!!

É um absurdo o tédio da vida moderna !!!
E nós resolvemos fazer um blog - ou seria um diário?- de galhofa para galhofeiros.
Dois pontos, entre outros, são difíceis nesta façanha:
Primeiro, a concorrência com o nosso maior plagiador "Cirque du Soleil" e segundo fazer galhofa num país onde ultimamente todo mundo se leva terrívelmente à sério.
Não! Não vamos desperdiçar seu "valioso tempo" narrando as desventuras desse esfarrapado exército contra o gigante deus do Mercado... pois você não entrou nesse diário - ou seria um blog? - para ouvir lamúrias e nem vamos achar que humor é coisa tão importante a ponto de derrubar o governo de Omã, se é que lá tem governo.
Queremos com esse diário-revista-jornal-blog-gibi apenas cutucar embaixo do braço do ser humano pra ver se o "infeliz" acorda !!

Ass: Brancaleone
Somos um exército de feios, sujos e esfarrapados...palhaços de um circo sem lona que tem o Sol, a Lua, a Chuva, a Rua, a Praça e o Povo... Que são espectAtores daquilo que realizamos...